Foto Aurílio Santos / 1995
Por ONALDO QUEIROGA, juiz de Direito.
Sob o Sol do sertão uma imensa pedra, serra mística que, na claridade do dia, reflete a causticante vida do povo que habita o Brejo do Cruz. Quando a noite chega, lá do céu a Lua espalha sua luz de prata e ensina ao vento a deitar sobre a mesma pedra o bafo frio anunciante da enigmática madrugada.
Quantos filhos tem essa pedra, essa serra de relevo fortemente ondulado? Muitos, muitos filhos, uns do Riacho da Tapera, outros do Poço da Cruz, do Escuro, das Lajes, dos Bois, do Poço da Onça, do Jacu, das Lagoas Polarinho, Marrecas e Caminho do Brejo. Essa pedra tem segredos milenares, há tempo adormecidos, e que desde 1600 são contidos pelas cancelas do Sítio Olho D'água do Meio.
Da magia dessa serra, desse lajedo, dessa pedra, nasceu um Zé, a quem foram revelados os mistérios guardados a sete chaves no âmago da pedra ondulada. Um inquieto pensador, poeta, cantor, cantador e compositor; um mago alto, de barba e cabelos enormes, esvoaçantes, que o tempo tratou de reduzir. De voz forte, metálica e contundente, a ecoar o canto visionário extraído da caverna da aldeia do sol. Deixou o seu sopé, mas os candeeiros de seu lugarejo jamais o abandonaram.
Se fez adolescente transitando pelas ruas, avenidas, teatros, bares e mares da grande Filipéia. Inspirado no Baião de seu Luiz Gonzaga, no rei do ritmo Jackson do Pandeiro, The Beatles, Pink Floyd, Raul Seixas, Bob Dylan, na rebeldia dos The Rolling Stones, em elementos da mitologia Grega e nos mistérios da pedra ondulada. Fez surgir uma sonoridade musical, uma verdadeira miscelânea, uma espécie de rock psicodélico, jazz e ritmos nordestinos, tudo ali, num disco intitulado de Paêbirú ou mesmo caminho da montanha do Sol.
Conheci esse enigmático ser no Miramar, início dos anos 1980, sentado numa poltrona da casa de suas tias Zélia, Madalena, Tereza e Inês Ramalho, amigas de minha mãe Onélia. Suas visões, suas melodias e suas letras logo invadiram o meu existir adolescente. O som variante que ia do protesto político-social ao apocalíptico passou a conduzir meus pensamentos, a influenciar a minha visão sobre o mundo, aliás sobre os mundos, e, como eternas ondas decifradoras do existir, mostraram-me a vida do admirável gado novo, a força do Avôhai, o vôo das borboletas, o grande jardim das acácias, a imensidão da visão de quem senta à beira mar, a liberdade do xote dos poetas, uma canção agalopada e uma terceira lâmina visionária e profundamente crepuscular.
Minha escrita é herdeira desse mundo de Zé Ramalho e navega numa nave interior por cidades e lendas. Numa mão, os últimos dias; na outra, a alforria, e, no firmamento, um lugar para sonhar.
Jornal Correio da Paraíba / Opinião / A6
João Pessoa, sábado, 21 de janeiro de 2012
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