Zé Ramalho falou conosco
Em nossa edição nº 03, de junho de 1994 tivemos o prazer de entrevistar um dos maiores
músicos da história da MPB, o cantor, compositor e instrumentista paraibano Zé Ramalho.
Ele nos recebeu gentil e humildemente na sala de estar do Grande Hotel Itaúna
onde gravamos a presente entrevista.
Nela o músico nos fala sobre seu trabalho e de suas crenças e filosofias.
Por Pepe CHAVES & Adilson RODRIGUES
Zé Ramalho e o fanzine.
Via Fanzine: Essa sua turnê tem passado por onde? Ela representa o lançamento de um novo disco?
Zé Ramalho: Neste Período de São João, mês de junho, eu estou no Nordeste. Amanhã mesmo estarei lá em Caruaru me apresentando. Quanto ao disco novo, ele já está pronto, eu estou só aguardando o melhor momento para lançá-lo.
Via Fanzine: Temos uma loja de discos usados aqui em Itaúna [A loja era a Disco Pirata, de propriedade de Pepe e Adilson] e seus discos, principalmente os mais antigos não param nas prateleiras. Você tem conhecimento dessa boa aceitação?
Zé Ramalho: Sim. Talvez por Minas Gerais ser o Estado do Brasil em que eu mais me apresento. As pessoas aqui são muito carinhosas comigo, com o meu trabalho. Isso me deixa muito contente e reconhecido por trabalhar neste Estado. Então, cada vez que venho aqui eu sinto mais alegria, mais confiança e mais inspirado pelo o que as pessoas me transmitem.
Via Fanzine: O que mudou na sua música, do início de sua carreira até hoje?
Zé Ramalho: As pessoas me interrogam sobre a forma que eu escrevo, que elaboro minhas poesias. Isso sempre foi a minha forma natural, isto é; as coisas ficaram diferentes. Quanto eu vim morar no Rio de Janeiro é que fui absorver as grandes cidades e a força que elas têm. Provavelmente, isso me trouxe outros temas, pensamentos e filosofias. Mas, acredito que o Zé Ramalho permanece o mesmo. A música continua a ser a forma como eu vejo, a forma de escrever, um certo mistério, uma certa filosofia zen...
Via Fanzine: Por falar nisso, você tem alguma religião? Pois sua música tem um conteúdo bastante religioso.
Zé Ramalho: Eu fui criado na religião católica, porém hoje em dia, depois destes anos todos, já fiz 44 anos, eu vejo uma necessidade em cada pessoa de encontrar uma forma, procurar entender a razão deste mundo. Muitos pregam a verdade e todas as verdades conduzirão a um rumo só. Eu não sou ateu, contudo, respeito todas as religiões, mas não pratico nenhuma.
Via Fanzine: O que significa ‘Avohai’?
Zé Ramalho: Quando eu fiz esta música eu criei esta palavra. Ela significa avô e pai. É uma espécie de homenagem ao meu avô, que foi a pessoa que me criou. Ele fazia o papel de avô e de pai. Meu pai morreu muito jovem, nos açudes do sertão, morreu afogado quando eu era garotinho. Então foi meu avô que me educou, foi quem me ensinou a seguir o caminho do bem, a batalhar minhas coisas. Eu me inspirei na imagem dele. E me chegou a palavra [avohai]... Ao mesmo tempo ela é interpretada pelas pessoas que a ouvem das mais diversas formas. É uma coisa muito mística também, representa a continuidade da espécie, ou seja, passar a sabedoria de uma geração para a outra... O avô passa para o pai, que passa para o filho e aí por diante...
Via Fanzine: O Patrick Morraz, ex-tecladista da banda Yes gravou com você em “Avohai”. Como aconteceu o seu encontro com ele?
Zé Ramalho: Foi uma sorte muito grande minha, pois o produtor do meu primeiro disco, Carlos Alberto Sion, estava acabando de produzir um disco do Patrick Moraz no Brasil. Daí ele ouviu a música “Avohai” e me perguntou se eu achava boa idéia o Patrick participar. E realmente era boa mesmo a música, para o Patrick ouvir e ter gravado. Ele Gostou muito. Ele parecia ser uma pessoa muito gentil, tanto que quando eu lhe disse que a música estourou, ele ficou muito feliz. Um ano depois, jantando com Patrick, ele me apareceu com um disco na mão me pedindo um autógrafo para a mulher dele, que era uma brasileira que morava na Suíça. Aquilo me deixou muito orgulhoso ao ver como ele gostou e saber que a música foi o maior sucesso.
Via Fanzine: Você gravou a música “Cidadão” do mineiro Zé Geraldo, ela voltou para as paradas de sucesso. Você pretende gravar outros compositores?
Zé Ramalho: Olha, de uma certa forma eu sempre gostei de gravar outros intérpretes. Se você observar, a partir do sexto ou sétimo disco eu comecei a regravar músicas de outras pessoas. Tanto que regravei Caetano Veloso, Chico Buarque, Belchior e Raul Seixas. Às vezes escolho uma música pelo fato de me identificar com ela. “Cidadão” as pessoas me pediram muito para regravá-la, pessoas da gravadora, os fãs... Eu deixei passar muito tempo e regravei 10 anos depois da gravação original de Zé Geraldo, que eu acho a gravação mais bonita dele. Contudo minha gravação é uma forma diferente, é muito Nordeste, aquela história tão bonita, tão penosa, tão sofrida desse pessoal que trabalha na construção.
Via Fanzine: Que tipo de música você está ouvindo ultimamente?
Zé Ramalho: Pouca coisa, ultimamente eu tenho escutado mais o silêncio [risos], pelo fato dessa etapa da minha vida agora estar assim, num processo, não de pouca criatividade, mas não tenho necessidade de ficar concentrado. Estou lendo pouco e ouvindo pouco, estou me dedicando à minha família, aos meus filhos. Estamos esperando mais um neném, que vai nascer agora. Isto me dá uma tranqüilidade e um prazer muito grande.
Via Fanzine: Qual é o seu candidato à presidência da República? [Referimo-nos às eleições presidenciais de outubro de 1994, primeira disputa FHC X LULA].
Zé Ramalho: Nenhum! Eu sou uma pessoa apolítica. Gosto de ser alienado nessas horas. Não acredito em nada disso e prefiro desta forma. Assim, prefiro não me envolver, porque não acredito em nada dessas coisas.
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