Glorioso Santo Afonso
Da Siqueira do Tetéu
Chica Bela, Neco Filho
Meu “padin” Cabra Miguel
Ajudai a minha lira
Pra rimar mais um Cordel…
Eu falo de uma peleja
Cantoria de primeira
Que houve no ano passado
Lá na Serra do Teixeira
Entre o cantor Zé Ramalho
E a alma de Zé Limeira.
Eu estava um dia na feira
Traçando um velho baralho
Soprou uma ventania
Mais quente do que borralho
Chegou ali de helicóptero
O cantador Zé Ramalho.
Desceu e foi se sentando
Bem na ponta da calçada
O cabelo “arrupiado”
E a viola bem afinada
Disse: Marquei um encontro
Com uma alma penada!
Eu lhe perguntei: Poeta,
Essa história é verdadeira?
Ele disse: É com certeza
Eu nunca falei besteira,
Vim atender um chamado
Do finado Zé Limeira.
Quando ele fechou a boca
Chegou uma assombração
Com uma viola nas costas
E uma bengala na mão
Chapéu de couro quebrado
E um surrado matulão.
Zé Ramalho então saudou
O mestre com reverência.
O povo se aglomerava
Formando grande assistência.
Disse o Limeira: Ramalho
Eu quero é cantar Ciência!
Zé Ramalho
Meu professor Zé Limeira
Vim atender seu pedido
Cantar contigo um martelo
Todo em bemol sustenido
Pegue o bordão da viola
Que eu quero ouvir o tinido!
Zé Limeira
Eu sei que tu és sabido
Formado em Pilogamia
Só canta prosopopéia
Ao pingo do meio dia
Mas eu vim do “Puigatóro”
Escanchado numa jia.
Zé Ramalho
Pra começar a porfia
Do jeito que o povo quer
Eu vim lá de João Pessoa
Montado num escaler
Estou pronto pra cantar
Tudo que o mestre quiser.
Zé Limeira
Eu já deixei Lucifer
Mamando numa ticaca
Vi um jumento chorando
Por causa duma macaca
E o macaco seu marido
Bebendo e puxando faca.
Zé Ramalho
Não gosto de urucubaca
Sou cantador vacinado
Canto galope e mourão
Xote, baião e xaxado
Mas vamos entrar agora
Num martelo agalopado.
Zé Limeira
Zé Ramalho eu agora lhe previno
Cantador não aguenta o meu rojão
Eu tomando um conhaque de alcatrão
Dou no velho, na mulher e no menino
Eu já fiz Satanás bater num sino
E botei paletó numa guariba
Cantador que nasceu na Paraíba
Todo ele conhece o meu repente
São José foi cantar mais São Vicente
São Francisco espiava lá de riba.
Zé Ramalho
Já andei num velho disco voador
Chega o vento esticou minhas madeixas
Lá cantei com o finado Raul Seixas
Que também era um nêgo trovador
Lá nos Andes vi a pena do condor
Que no Olimpo torturava Prometeu
Me contaram que seu “figo” ele comeu
E depois deu um arroto de lascar
Mulher feia é o terror do lupanar
lá diziam Gutemberg e Galileu.
Zé Limeira
Galileu, eu só conheço Jesus Cristo
Gutemberg este eu nunca ouvi falar
Num sei nem o que diacho é lupanar
Nem prometo que é pra num ficar mal visto
Frei Caneca dirigia um velho misto
Nessa linha de Campina a João Pessoa
Dom João Sexto casou com uma coroa
Muito horrive da costela pro toitiço
Do barrão eu só gosto do chouriço
E da fême eu só gosto se for boa!
Zé Ramalho
Já subi o Monte Olimpo num vapor
Lá mostrei a minha lira para Apolo
Veio Vênus e sentou-se no meu colo
Deu-me um beijo com ternura e com ardor
Veio Marte e me disse: – Cantador
Cante agora um martelo malcriado!
Mas Saturno vendo a força do meu brado
Deu-me outro martelo mais possante
Fabricado numa forja interessante
Todo em ouro, de brilhantes cravejado.
Zé Limeira
Eu subi foi a Serra do Teixeira
À cavalo num jumento empanzinado
Este bicho deu um peido tão danado
Que azulou a cangalha e esteira
E depois foi tão grande a meladeira
Que ninguém suportava a catinga
Veio logo quarenta urubu tinga
Agarraram este jegue pela orelha
Dez num pé, dois no rabo, um na sarnelha
E um na crina, servindo de curinga.
Zé Ramalho
Zé Limeira teu cantor tem liberdade
Pra dizer o que sente e o que pensa
Já contei com Geraldo e Alceu Valença
Mas nenhum tem a tua habilidade
Tuas rimas absurdas na verdade
São da fonte da sublime inspiração
Eu tomando uma cachaça com limão
Também faço martelo agalopado
Mas o teu é de aço e foi forjado
Nas crateras vulcânicas de Plutão!
Zé Limeira
Este tal de Plutão era um cachorro
Que caçava mais o velho meu avô…
Num sei nem o que é disco avuadô
Se eu ver um bicho desses, sei que morro!
Certo dia, na Matriz lá do Socorro
Vi um disco de Vicente Celestino
Apesar de Celestino, o seu destino
Era mesmo rodar aqui no chão
Eu tomei três conhaques de alcatrão
E agarrei a Maria de Virgulino!
Zé Ramalho
Eu já vi que o mestre não viaja
Nem conhece o raio da silibrina
Nunca viu a maconha e a cocaína
Um veneno pior que o da naja.
É conhaque de alcatrão que lhe encoraja
A cantar este martelo diferente?
Zé Ramalho, por não ser intransigente
Ingressou na escola do absurdo
Eu já vi Satanás tocando um surdo
Festejando a chegada de um crente!
Zé Limeira
Zé Ramalho, absurda é esta vida
Onde o homem explora o semelhante
Onde o rico vive sempre triunfante
Maltratando toda a classe desvalida
Minha rima não é louca nem perdida
Quem tá doido é o pobre do “pranêta”
É violência, é roubalheira, é mutreta…
Eu prefiro o teu galope soberano
Viajando noutra esfera e noutro plano
Amontado no rabo dum cometa!
Zé Ramalho se assombrou
Com tamanha lucidez
E o realismo da estrofe
Que Mestre Limeira fez
Só sendo o Espírito Santo
Que o inspirou desta vez.
Continuaram a peleja
Cada vez mais animada
Conduziram os dois poetas
Pra debaixo da latada
Zé Limeira aproveitou
E tomou mais u’a lapada.
Um ouvinte da cantoria
De modo muito cortês
Pôs um real na bacia
Logo botaram mais três
Disseram: Limeira arroche
O cantador de vocês!
Zé Limeira
Nesse estilo eu sou malvado
Só bato pra ver doer
Quando não deixo aleijado
Boto o cobra pra correr
Eu canto a pilogamia
Corto o rabo da cutia
E as barbas de São Moisés
É13 com 12, é 11 com 10
É 9 com 8, é 7 com 6
É 5 com 4, mais 1
Mais 2 e mais 3
Trouxe um cacete roliço
Para lascar no toitiço
Do cantador de vocês!
Zé Ramalho
Mestre Limeira, cuidado
Que eu também sou violento
Toco viola de lado
Escanchado num jumento
O meu verso é aprumado
E quando eu tô invocado
Não respeito menestréis
É 13 com 12, 11 com 10
É 9 com 8, é 7 com 6
É 5 com 4, mais 1
Mais 2 e mais 3
Eu frequentei sua escola
Mas sou melhor na viola
Que o cantador de vocês!
Zé Limeira
Este menino atrevido
Só presta levando surra
Sou o Sansão conhecido
Com a queixada da burra
Já matei os filisteus
Romanos e fariseus
Ninguém topa o meu revés
É 13 com 12, é 11 com 10
É 9 com 8, é 7 com 6
É 5 com 4, mais 1
Mais 2 e mais 3
A minha pisada é quente
É um sonhim na corrente
O cantador de vocês
Zé Ramalho
Sou a pérola dos cascalhos
Tenho a inspiração de Deus
Cumpri os 12 trabalhos
De Hércules, filho de Zeus
Sou o sol do meio dia
Um astro da poesia
Maracá das cascavéis!
É 13 com 12, é 11 com 10
É 9 com 8, é 7 com 6
É 5 com 4, mais 1
Mais 2 e mais 3
Tenho um martelo de aço
Pra quebrar o espinhaço
Do cantador de vocês…
Zé Limeira
Sou um nêgo trovador
O xexéu do buriti
Sou o ‘malhó’ cantador
Que já passou por aqui!
Matei Dimas e Otacílio
Nunca encontrei empecílio
Caíram tudo aos meus pés
É 13 com 12, é 11 com 10
É 9 com 8, é 7 com 6
É 5 com 4, mais 1
Mais 2 e mais 3
Só sendo mermo o caralho
Se não lascar Zé Ramalho
O cantador de vocês…
Zé Ramalho
Sou um poeta afamado
Conheço a Geografia
Dentro do Livro Sagrado
Aprendi filosofia
Canto história e gramática
Sou melhor em matemática
Já ensinei bacharéis
É 13 com 12, é 11 com 10
É 9 com 8, é 7 com 6
É 5 com 4, mais 1
Mais 2 e mais 3
Sou fera em Mitologia
E aprendi “pilogamia”
Com o cantador de vocês
Nisto chegou no salão
Um tal de Chico Cadete
Puxou cinquenta reais
Do bolso de seu colete
Pediu cios dois cantadores
Pra cantar um Gabinete
Este tal de Gabinete
É uma modalidade
Que só consegue cantar
Quem é cantor de verdade
Vamos ver forma clássica
Que veio da antiguidade:
Zé Ramalho
Vou atender o pedido
Deste ouvinte ilustrado
Meu repente é parecido
Com o céu todo estrelado
Zé Limeira do meu lado
É bom cantador também
Eu comprei um cartão
Pra viajar no trem:
Sem cartão ninguém vai
Sem cartão ninguém vem
Nem vem, nem vai
Nem vai, nem vem
Eu canto bem por cinquenta
Mas canto melhor por cem.
- Cante o mote do Cadete!
Quem não canta Gabinete
Não é cantor pra ninguém!
Zé Limeira
Zé Ramalho eu canto é tudo
Mote nenhum me entala
O satanás é chifrudo
Mas não entra nesta sala
Cantador nenhum me cala
Nem mistura meu xerém
Eu comprei uma gaiola
Pra criar um vem-vem
Sem vem-vem, ninguém vai
Sem vem-vem, ninguém vem
Nem vem, nem vai
Nem vai, nem vem
Nem vem, nem vai
Nem vai, nem vem
Pegue aqui no meu cacete!
Quem não canta Gabinete
Não é cantor pra ninguém!
Com o verso de Limeira
Houve um trovão de risada
O cantador do Teixeira
Disse adeus ao camarada
E na cauda de um cometa
Entrou na noite fechada
Arievaldo é poeta
E conta o que aconteceu
Versejou esta peleja
Alguém diz: Não ocorreu…
Limeira está de prova –
Depois que ele foi pra cova
Orlando Tejo escreveu!
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