Uma visão singular dos tempos por Zé Ramalho


Cantor e compositor paraibano lança Sinais dos Tempos, seu primeiro álbum de inéditas desde 2007


Rafael Rodrigues Costa
Gazeta do Povo  / Caderno G / Publicado em 22/07/2012

Cinco anos depois de seu último disco de inéditas, Zé Ramalho retoma sua faceta autoral em tom retrospectivo. Recém-lançado, Sinais dos Tempos traz dez canções que evocam o marcante universo psicodélico, místico e profético do artista paraibano – desta vez, autorreferente. “É a soma de tudo que eu já fiz”, diz Ramalho, em entrevista por e-mail para a Gazeta do Povo.


Há referências diretas, como a faixa “A Noite Branca”, que remete a “A Noite Preta”, do LP Zé Ramalho (1978) – disco de estreia que projetou o músico com “Chão de Giz” e “Avôhai” (hoje também nome do selo que criou para gerenciar sua obra livre das gravadoras) – e marcas diluídas de sua identidade musical.

“Todos os caminhos percorridos em músicas, pensamentos e inspirações estão nesse novo trabalho. Não é uma repetição, mas sim um desenvolvimento, uma extensão de tudo”, explica o músico.   Ritmo natural
A reflexão, conforme explica o compositor, veio na dinâmica paciente de seu processo de criação. Ramalho conta que vai guardando e desenvolvendo as canções diariamente, “sem pressa, nem agonia”.

“O que chega de longe, a inspiração, que vem de longe, não interessa à lógica, ou à elaboração racional, que eventualmente pudesse vir a acontecer. Deixo que a onda flua naturalmente. A sequência das ideias, quando começo a escrever, tem um pouco de mediunidade.”

A mensagem veio conectada às mudanças dos tempos, conforme sugere o nome do disco e faixas como “Sinais” – uma interpretação do zeitgeist dos anos 2010 na visão de Ramalho, que liga clones e alienígenas.

“O mundo de hoje, com a rapidez das comunicações, fibras óticas, satélites, internet ligando todos os países, discos voadores, fanáticos religiosos, líderes políticos corruptos... um prato cheio para um autor como eu, que exponho todos esses paradigmas neste disco”, diz.

Já a voz confessional que aparece em canções como “Indo com o Tempo” revela um lado perseverante da maturidade, que fala da morte com serenidade: “Não deixo para trás/ Nada do que eu sou”. E também implacável: “Mas sei que pagarei/ A minha dívida/ E não perdoarei/ A quem me trouxe dor”.

A postura convicta de Ramalho sustenta todo o conceito. “Não faço discos para ter reconhecimento ou tampouco ouvir elogios ou críticas. Faço para continuar meu trabalho, minha pregação filosófica, poética e musical nordestina”, explica Ramalho.

“O público que me consome hoje é uma disparidade de idades. Jovens, senhores e senhoras, que me acompanham há algum tempo e a agradável surpresa de ver crianças descobrindo meu trabalho”, conta, tendo a seu favor a boa recepção que conseguiu no festival SWU, em novembro de 2011.

Seu lugar na música, que conhece bem, o coloca em destaque. “Ele é único porque nunca tive nenhum concorrente, tamanha é a estranheza universal do meu trabalho. Ninguém faz o que eu faço.”

Opinião


O melhor de Ramalho ofuscado por ideias pouco inspiradas

Reforçado pelo conceito de rememoração de suas ideias artísticas e mesmo referências diretas aos trabalhos mais célebres da carreira de Zé Ramalho, Sinais dos Tempos soa familiar ao mesmo tempo em que reafirma a singularidade deste (autodenominado) estranho artista. As letras enigmáticas cantadas e faladas em tom grave e profético, arranjos simples e referências literais de gêneros seminais para Ramalho, como o forró e o rock, além dos climas sonoros e imagéticos, tratam de imprimir sua marca no novo trabalho. “Sinais”, “Lembranças do Primeiro” e “A Noite Branca” compensam momentos em que erra-se a mão: introduções e frases rudimentares em timbres clichês, previsibilidade de algumas melodias e letras, e métricas encaixadas um tanto à força em algumas canções pouco inspiradas resultam em um disco que, embora também remeta ao melhor de Zé Ramalho, expõe alguma obsolescência. GG1/2


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