O TEMPO E ZÉ RAMALHO




PEDRO ANTUNES


“O que não te mata, não te destrói, te fortalece”, e assim, citando o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, o paraibano Zé Ramalho leva sua vida. Guerreiro do sertão e alquimista das palavras, o músico nascido em Brejo do Cruz chega aos 62 anos calejado, conhecedor da vida. Sinais, novo disco de inéditas, lançado pelo selo próprio, Avôhai Music, é a representação musical de sua maturidade.

Cheio de psicodelia, blues e os encantos da musicalidade nordestina, o álbum traz Zé Ramalho em forma, após uma incursão por obras alheias. Enquanto resolvia um imbróglio com a gravadora EMI, que o proibiu de gravar seus sucessos, se envolveu nos projetos Zé Ramalho Canta Bob Dylan (2008), Luiz Gonzaga (2009), Jackson do Pandeiro (2010) e Beatles (2011). Sinais sucede Parceria dos Viajantes, lançado há cinco anos.

“Cada disco é uma sensação diferente”, explica ele ao JT por e-mail – Zé evita entrevistas. “A sensação de apresentar músicas inéditas é de grande expectativa, devido à grande responsabilidade que um artista como eu tem, depois de 35 anos de carreira, ao apresentar tudo o que aprendeu neste mais novo capítulo.”

Neste período parado, Zé Ramalho nunca parou de compor. Mas a maturidade trouxe também a dádiva da paciência. Ele curte cada verso, cada harmonia. “Não tenho mais ansiedade em finalizar uma canção. Deixo-a aguardando a inspiração maior”, pontua. “Tudo foi pensado com calma.” No contexto, as 12 músicas têm uma variedade enorme de gêneros (rock, folk, forró).

Na calma nasceu Sinais. A percepção da ação do tempo, implacável, é escancarada logo na primeira estrofe de Indo Com o Tempo, faixa de abertura: “O tempo vai passando / E, com ele, eu vou / O tempo vai passando / E, com ele, eu vou / Não deixo para trás / Nada do que eu sou”, canta Zé Ramalho, enquanto o guitarrista de blues Jesse Robinson destila melancolia na chorosa guitarra. A música, diz o autor, “abre o portal das considerações poético-musicais a respeito desse tema.”

Apesar dos cinco anos entre Parceria dos Viajantes e Sinais, as canções foram compostas nos últimos dois. No processo de criação de Ramalho não há sobras, tudo é previamente planejado. Ele chamou Robertinho do Recife, parceiro há 15 anos, para os arranjos e juntos assinam a produção.

Como um guia, Zé Ramalho nos introduz ao tempo com magnitude. Seu vozeirão sombrio abre caminho para as palavras cantadas (ou ditas), proféticas, psicodélicas e caóticas. Indo Com o Tempo, Sinais, Lembranças do Primeiro e Olhar Alquimista fecham o primeiro terço do disco de forma grandiosa. A sequência ganha raios de luz, com teclados alegres, como em Justiça Cega. É a união do sax tenor com a sanfona, o cangaço e a cidade, luz e escuridão, futuro, presente e passado. Tudo num só Zé Ramalho.



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